O castelo da Guarda é a estrutura edificada que melhor entronca com as origens da cidade. Alguns autores colocaram a hipótese de aqui se ter localizado um antigo castro posteriormente romanizado, mas as informações materialmente seguras que possuímos apontam apenas para a construção de uma linha fortificada na viragem para o século XIII, precisamente no momento em que D. Sancho I transferiu para aqui a diocese de Egitânia e a cidade ganhou vida.
O que resta hoje do castelo, contudo, não é apenas fruto da altura em que a cidade nasceu. Reformas posteriores, realizadas nos reinados de D. Dinis, de D. Fernando e de D. João I, reformularam a estrutura fundacional, e conferiram o desenho que ainda hoje é possível reconstituir com alguma segurança. Com efeito, como tem sido constantemente realçado, a planta do castelo da Guarda "não se reduz a nenhuma figura geométrica precisa", sintoma claro das sucessivas transformações e adaptações às condicionantes da Guerra e à própria topografia do terreno.
É neste sentido que a investigação se depara com o problema de atribuição dos troços e torres sobreviventes a um destes três reinados. Com grande probabilidade, a Torre Velha, isolada das muralhas, de planta levemente poligonal mas com uma janela de arco de volta perfeita, datará o recinto mais antigo, tendo sido mesmo a sua torre de menagem, em torno da qual se localizava a alcáçova. Ainda mais problemática é a cronologia dos troços de muralha, torres e portas inseridas na cerca medieval. As portas da Covilhã e dos Curros, as mais afastadas na malha urbana, deveriam existir desde a construção inicial, na medida em que é entre elas que se articula a Rua Direita, principal via interior do burgo. Paralelamente, como realçou José Fernandes Pereira, um segundo eixo viário de máxima importância, foi aberto entre as portas da Erva e de El Rei, dispondo-se longitudinalmente em relação à Rua Direita, cruzando-a mesmo sensivelmente a meio caminho e definindo, assim, uma estrutura viária cruzada, tão ao gosto da organização romana das cidades, em cardus e decumanus. Sobre este segundo eixo, contudo, não está provada a sua existência desde as primeiras décadas do século XIII, podendo ter sido rasgado já numa época posterior.
O desconhecimento que possuimos acerca das reformas empreendidas por D. Dinis, D. Fernando e D. João I assume-se, de resto, como um dos obstáculos principais a uma mais coerente perspectivação histórico-artística deste castelo. No reinado de D. Fernando, por exemplo, a reforma militar efectuada foi importante o suficiente para obrigar à demolição da segunda catedral da cidade, facto que comprova uma amplitude reformadora bastante alargada.
A reconstituição da planta do castelo da Guarda encontra ainda outros obstáculos, relacionados com as fases de destruição das muralhas e com o natural crescimento da cidade nos últimos dois séculos. Na viragem para o século XX são ainda referidos troços de muralha em locais onde hoje já nada existe, sendo a sua pedra reaproveitada para outras construções municipais e privadas. A Torre Nova, assim denominada por oposição à Velha torre do primeiro recinto românico, e localizada junto da Porta da Covilhã, foi demolida nos anos finais do século XIX. A Torre dos Ferreiros, subistente na sua maior parte, revela ainda uma planta em cotovelo, com os respectivos arranques de troços anexos, sendo a principal referência da muito destruída cerca da cidade.
De todas estas transformações resultou um dos mais interessantes castelos do país, não apenas por se situar numa segunda linha de defesa face à fronteira leste da Beira Alta, mas por testemunhar a actividade construtiva de carácter militar ao longo de, praticamente, toda a nossa Baixa Idade Média, bem como por ilustrar o processo de destruição por que passou o património militar nacional a partir do século XIX.
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