Antecedentes:
A
ideia de uma fortificação para a barra do rio Tejo, com a função de
protecção do acesso marítimo à cidade de Lisboa, foi primeiramente
apresentada no reinado de D. Sebastião (1568-78) pelo arquitecto
Francisco de Holanda, na obra Da fábrica que falece a cidade de Lisboa
(Lisboa, 1571), indicando para essa finalidade o areal da Cabeça Seca. O
soberano acatou essa sugestão, encarregando, em 1578, D. Manuel de
Almada de erguer essa estrutura, com a função estratégica de cruzar
fogos com a primitiva Torre de São Gião. Diante da crise sucessória que
se instalou com a morte do soberano na batalha de Alcácer-Quibir e
diante da possibilidade de uma invasão de Portugal pelas tropas de D.
Filipe II de Espanha, optou-se por uma estrutura de campanha de pequenas
dimensões, erguida sobre grossa estacaria de madeira, que entulhada com
pedras, serviu de alicerce para uma plataforma com algumas peças de
artilharia. Rendida pela armada espanhola em 1580, foi posteriormente
desarmada. A fragilidade do material, entretanto, aliada à instabilidade
do banco de areia e à ação das correntes e das marés, em pouco tempo
comprometeu irremediavelmente esta estrutura.
O início das obras: Giovanni Casale
À
época da Dinastia Filipina, o rei D. Filipe I (1580-98) determinou ao
engenheiro militar e arquitecto italiano frei Giovanni Vicenzo Casale um
estudo para melhorar o sistema defensivo da barra de Lisboa (1586),
então sob ameaça de corsários ingleses e holandeses. Alguns
historiadores atribuem ao Engenheiro-mór de Espanha, o sienense Tibúrcio
Spanochi, neste período, o projecto para uma fortificação definitiva na
Cabeça Seca. Em Janeiro de 1590 Casale apresentou ao soberano os
projetos da fortificação, com duas planimetrias distintas: uma estrelada
(atendendo a uma sugestão de André de Prade, na Corte de Madrid) e
outra circular. A opção foi por esta última, mais sólida diante da
dinâmica das águas e que permitia um melhor posicionamento da
artilharia. Nesse mesmo ano expediu-se ordem para se proceder ao desenho
das barcas e machinas necessárias para o transporte e lançamento das
pedras que serviriam de fundamentos debaixo de água, tarefa concluída em
1593, como reportado por Casale ao soberano.
Mediante
o falecimento de Casale em Lisboa, em fins de 1594, foram nomeados para
dirigir as obras dois discípulos seus, Tibúrcio Spannochi e Anton Coll,
sob a justificativa de que ambos eram conhecedores do modo de fabricar y
manejar los instrumentos e para que a traça començada não fosse
alterada. Para a preparação dos blocos de pedra utilizada na fundação e
nas muralhas, foi erguido um canteiro de obras em terra, próximo a São
Julião da Barra (também em obras à época), que ficou conhecido como
Feitoria das Obras da Cabeça Seca ou simplesmente Feitoria d'El-Rei,
conforme referência de João Vaz, Juiz Ordinário e dos Orfãos do reguengo
de A-Par-de-Oeiras (1596). A mesma fonte dá conta de que a cantaria
pronta era transportada para as obras do forte por trinta mestres de
barcas (ver Bateria da Feitoria).
O desenvolvimento das obras: Leonardo Torrianni
A
partir de 1598 a direção da obra foi assumida pelo engenheiro militar e
arquitecto cremonense Leonardo Torriani, nomeado Engenheiro-Mór do
Reino, e como encarregado dela, Gaspar Rodrigues. A partir de então o
projecto entrou numa nova fase, dadas as alterações que Torriani lhe
introduziu, ampliando-a. Entre os problemas vivenciados à época, cita-se
uma dúvida sobre o fundo da barra: provavelmente devido a problemas com
o transporte das pedras, nos anos de 1607 e de 1608 sucederam-se várias
sondagens daquele fundo, por profissionais e práticos, que atestaram
que ela permanecia boa e capaz para a entrada das naus da Índia.
A conclusão das obras: João Torriani
Quando
da Restauração da Independência, ainda em obras mas já guarnecida e
artilhada, o seu Governador espanhol, João Carrilho Rótulo, rendeu-se às
forças do Duque de Bragança (2 de dezembro de 1640). Assumindo o trono
como D. João IV (1640-56), por Decreto Real este soberano determinou que
as obras fossem concluídas e que um engenheiro português assumisse os
trabalhos (1643), conforme placa epigráfica de bronze primitivamente
sobre o portão do forte (hoje no pólo museológico da Direcção de Faróis,
em Paço de Arcos) que reza:
O
muito alto e muito poderoso rei de Portugal D. João IV, de gloriosa
memória, mandou fazer esta fortaleza à ordem do conde de Cantanhede, D.
António Luís de Menezes, dos seus Conselhos de Estado e [de] Guerra,
Veador da Fazenda e Governador das Armas [da Praça] de Cascais, que [a]
começou no ano de 1643.
Iniciou-se
assim uma nova etapa construtiva, sob a superintendência do conde de
Cantanhede (1596-1675), tendo como encarregado o frei João Torriani,
coadjuvado por Mateus do Couto, até serem dadas como concluídas em 1657.
No
final do século XVII, um Decreto estipulou que esta fortificação
passaria a ter comando separado do Forte de São Julião da Barra, ao qual
se subordinava (1675).
O Farol do Bugio:
Em
planta datada de 1693 já se encontra figurada uma torre encimada por um
farol, estrutura que, à semelhança de uma vela acesa (em francês
bougie), teria rendido o nome de bugio à estrutura. O relatório de
inspecção efetuada em 1751 ao farol, mostra que o mesmo operava com
azeite, no período de Outubro a Março, e que se encontrava em razoáveis
condições. Esta estrutura, destruída pelo terramoto de 1755, foi
reedificada como um dos seis faróis erguidos na costa portuguesa para
auxílio à navegação, conforme determinação de um Alvará do Marquês de
Pombal datado de 1758. O novo farol entrou em funcionamento em 1775.
Do século XIX ao XXI:
Quando
da eclosão da Guerra Peninsular, foi ocupada pelas tropas napoleônicas
(1807) e, posteriormente, durante as Guerras Liberais, foi alvo do fogo
da artilharia da esquadra francesa que, sob o comando do almirante
Roussin, forçou a barra do Tejo (1831). Datam desta fase alguns
projectos de alterações que não chegaram a ser implementados. Ao final
do século XIX foi classificada como Praça de Guerra de 2ª Classe,
ocasião em que se encontrava artilhada com 18 peças de bronze e 2 obuses
(1880).
Ao
alvorecer do século XX, entre 1902 e 1903 o capitão de engenheiros
Augusto Vieira da Silva, procedeu-lhe reformas na cisterna e iniciou a
construção de estruturas para acesso de carga que não chegaram a ser
concluídas. Encontrava-se guarnecida por artilheiros ainda em 1911. Nas
décadas de 1930 e de 1940 foram procedidos trabalhos de dragagem no seu
entorno. Ao término da II Guerra Mundial, sem valor defensivo, foi
entregue pelo Ministério da Guerra à Direcção dos Serviços de Faróis do
Ministério da Marinha (1945), quando se iniciaria uma nova etapa de sua
história, marcada pela sua declaração como Imóvel de Interesse Público
pelo Decreto nº 41.191 de 18 de Julho de 1957.
Severamente
danificado pelo tempo e pela erosão das àguas, a partir da década de
1950 sofreu diversas intervenções de consolidação, reparos e conservação
sob a responsabilidade da Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos
Nacionais (DGEMN) e da DSCC (1952, 1954, 1958-63, 1980 e 1982), da APL
(1969) e recentemente da DGEMN outra vez (1993, 1995, 1996-2000).
Actualmente é utilizada como farol de apoio à navegação.
Características:
A
estrutura, considerada modelo de fortificação renascentista, apresenta
planta no formato circular perfeito, em alvenaria de pedra, formato
escolhido por Casale que considerou que este permitia uma melhor direção
do fogo da artilharia, ao mesmo tempo em que lhe conferia uma maior
solidez para resistir à erosão provocada pelas correntes do rio e força
das marés. É composta por:
muralha
externa com alambor (base circular, com 62 metros de diâmetro por 6
metros de altura), rasgada por porta em arco de asa de cesto;
muralha
interna (formato circular, com 33 metros de diâmetro por 7 metros de
altura), na qual se inscrevem internamente as dependências de serviço
(21 compartimentos). O seu terrapleno é lajeado, com baterias;
torre
central (formato circular, com 3 metros de diâmetro por 16 metros de
altura), com porta em arco de asa de cesto. No topo da torre se encontra
instalado o moderno farol.
As
dependências de serviço são constituídas pela Casa de Comando,
quartéis, paiol, depósitos, cisterna e Capela. Nesta última, destaca-se
um retábulo-mor em estilo maneirista com embrechados de mármore, tendo
as paredes e o tecto forrados em madeira pintada.
Curiosidades:
O
Forte do Bugio, inspirado no Castel Sant'Angelo em Roma, na Itália, por
sua vez serviu de modelo para o Forte de São Marcelo em sítio
semelhante, na cidade do Salvador na Bahia de Todos os Santos, Brasil,
cuja traça se deve ao Engenheiro-mor Francisco de Frias da Mesquita
(desde 1603), em 1622.
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